terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vigia, vigilenga, gurijuba e pacamão

Vigia, vigilenga, gurijuba e pacamão
O território da cidade de Vigia de Nazaré era ocupado pelos índios tupinambás quando Francisco Caldeira Castelo Branco chegou ao Pará, em 1616. Os franceses já haviam passado por lá e até mantinham cordiais relações com os gentios. Em face de sua posição estratégica, os colonizadores portugueses estabeleceram ali um posto fiscal para vigiar as terras conquistadas. Com o passar do tempo os jesuítas fixaram residência na povoação e desenvolveram um trabalho vital para fazê-la progredir. Os vigienses, valendo-se do acesso fácil ao oceano Atlântico tornaram-se experientes pescadores. Além da pesca, dedicaram-se a produção da farinha de mandioca, ao beneficiamento do arroz, a fabricação de tijolos, calçados e de foguetes, ao comércio e ao beneficiamento de madeira. Foi na Vigia que teve inicio o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que no último dia 13 de setembro do corrente ano alcançou a marca de 312 romarias. A pesca continua a ser a atividade econômica mais importante do município. Em tempos mais recuados os pescadores utilizavam um tipo de embarcação quase redonda, que tem apenas um mastro, com espaçoso porão coberto por um toldo que serve para transportar mercadorias e principalmente peixes. A tripulação de uma vigilenga é no máximo de quatro embarcadiços denominados vigilengos. A atividade exige muita coragem, notadamente quando a pesca é realizada no oceano. À proporção que as gurijubas iam sendo pescadas, os vigilengos as evisceravam e salgavam. O tempo de permanência no mar era de três ou quatro meses. Passavam por maior perigo os pescadores que vinham realizar a árdua tarefa na costa do Amapá, entre as cidades de Amapá, Calçoene e Oiapoque. Atualmente as vigilengas quase não são vistas operando em alto mar, embora algumas delas o façam na Vigia. Predominam os barcos impulsionados por potentes motores e maiores que as vigilengas. Os porões são revestidos com material apropriado para o armazenamento do gelo que conservará em bom estado os peixes capturados. Consequentemente, o período de atividade no mar é menor do que ocorria com as vigilengas. Poucas são as vigilengas que ainda são impulsionadas pela vela e pela bujarrona. Até elas um bom número delas adaptou motores de centro. A preferência da maioria dos pescadores da Vigia pela gurijuba está no fato de que sua bexiga natatória tem boa cotação no mercado internacional e serve para o preparo de remédios e outros produtos. A bexiga é identificada como grude, palavra oriunda do latim glute, que é uma espécie de cola. Não existe apenas uma espécie de gurijuba. A espécie pescada na costa do Amapá e no litoral paraense é comumente denominada bagre-do-mar, tem carne comestível e se presta para o preparo de ótimas iguarias. Aliás, guri é um vocábulo tupi utilizado para identificar o bagre novo. O sufixo yub ou juba que dizer amarelo. Logo, gurijuba é o nome do bagre amarelo que tanto fascina os vigienses. O bagre novo também pode ser chamado guribu. Se ele for grande aplicam-se os vocábulos guriaçu, guriguaçu ou guariguaçu. O bagre do mar ou bagre amarelo também pode ser denominado gruijuba ou guarijuba.Pode não ser correto, mas o povo costume dizer que a verdadeira gurijuba é o peixe teleósteo, siluriforme, da família dos taquissurídeos de cor azul-pateado e abdome amarelo que mede de 25 a 30 cm de comprimento. Ora, se o vocábulo gurijuba significa bagre amarelo e existe a espécie toda amarela, há de se convir que este peixe seja a verdadeira gurijuba. Pelo menos é o bagre totalmente amarelo que se pesca na costa do Amapá. Há outras duas variedades de gurijuba que recebe o nome de bagre bandeira. Elas têm coloração azulada-metálica, com laivos esverdeados, flancos prateados, abdome branco-amarelado, medem até 50 cm de comprimento e pesam até quatro quilos. Possuem nadadeiras e barbilhões que ultrapassam o tamanho da cauda. Existem ainda outras variedades de peixes identificadas como gurijuba, pescada no rio Guajará-Mirim, que banha a cidade da Vigia, nos demais rios da região fisiográfica do salgado e na costa do Pará: o cangatá e o bagre-sapo. O cangatá tem coloração cinza-prateada uniforme, e também é conhecido popularmente como "cabeça-dura-focinho de rato", "cabeça-dura-prego", cangangoá, canganguá, cangoá e roncador. Por sinal que roncar muito é uma coisa que a gurijuba faz ao ser capturada. A cabeça da gurijuba, seja ela de qualquer espécie, tem fama de afrodisíaca. O bagre-sapo tem uma aparência que causa repulsa em algumas pessoas de-vido ao fato do mesmo ter cabeça chata, larga e abdome desenvolvido. Visto em seu habitat natural parece com um sapo cururu. É um peixe de pele do gênero Zungaro Bleek, distribuído em todo o Brasil. Sua coloração vai do pardo-escuro ao negro com manchas escuras dispersas pelo corpo. No Nordeste, principalmente no rio São Francisco o peixe-sapo recebe a designação de pacamô. Na Amazônia, o bagre-sapo recebe diversos nomes: pacamão, brecambucu, brecumbucu, manguriú, manguruiu, piacurura e piracururu. Esta última designação, decorrente do tupi que dizer peixe-sapo. O pacamão vive no fundo, come toda espécie de substância e pode chegar aos 32 cm de comprimento. O cidadão comum da Vigia e das demais localidades da zona do salgado, no Estado do Pará, jura por todos os santos que o melhor remédio contra o desânimo e um suculento caldo feito com a cabeça da gurijuba. A iguaria é indicada principalmente como estimulante sexual. Entretanto, não é qualquer sujeito que pode tomá-la devido o efeito "reverterio", isto é, o aquecimento pode ocorrer na tomada em vez de se manifestar no cabo de alta tensão. O risco torna-se ainda mais evidente se o caldo tiver sido feito com a cabeça da gurijuba, a carne do pacamão e o turú. Dizem que o turú é o grande vilão da iguaria por tratar-se de um molusco ou verme branco que gosta de viver enfiado em buracos de madeira apodrecida. Para desalojar o turedo, o caboclo usa um pedaço de arame vergado na ponta e enfia-o nos túneos que o molusco cava dos troncos de árvores tombados no mangue. Em pouco tempo o apanhador de turú terá uma cuia, lata ou paneiro cheio de vermes compridos e brancos. O caboclo que gosta de se exibir engole o turú sem lavá-lo ou pelo menos passar limão e sal. O turú é rico em cálcio e ferro. Quem tem aversão à minhoca e lombriga, mas deseja sentir o sabor adocicado do turú, não pode vê-lo no seu estágio natural. O aspecto chega a ser repugnante, principalmente porque o turú expele uma substância leitosa e gosmenta que usa para lubrificar os buracos abre na madeira podre. Alguns restaurantes já estão servindo caldo e sopa de turú além de turú à milanesa. Dizem que a grande lombriga branca do mangue é o viagra dos pobres."O cangatá tem coloração cinza-prateada uniforme, e também é conhecido popularmente como "cabeça-dura-focinho de rato", "cabeça-dura-prego", cangangoá, canganguá, cangoá e roncador. Por sinal que roncar muito é uma coisa que a gurijuba faz ao ser capturada. A cabeça da gurijuba, seja ela de qualquer espécie, tem fama de afrodisíaca. " Editorial Nilson Montoril de A, Programa coisas nossas.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Figura Popular

Não muitas as figuras populares que passaram a viver em Macapá a partir de 1944, data da instalação do Território Federal do Amapá. Eram pessoas que pareciam conformadas com a carência quase absoluta que o destino lhes impôs. A maioria não dependia apenas da solidariedade dos moradores porque trabalhavam. Não cometerei a heresia de identificar os três personagens que vão ilustrar este artigo: Picolé, Coscorobil e Chunda. Quem via a figura do comprido e magro empurrador de um carrinho de mão feito com madeira, tinha a impressão de que o chão oscilava permanentemente sob seus pés. Poder-se-ia julgar que as ruas de Macapá, sem asfalto e praticamente sem nivelamento faziam o carrinho trafegar aos solavancos. É claro que o balanceado do carrinho forçava o condutor a acompanhar o embalo. Não posso deixar de citar que o nosso primeiro personagem, sobejamente conhecido como Picolé, tinha a ginga própria dos sambistas. O Picolé caminhava como um pêndulo de granito por nossas ruas, avenidas, becos e caminhos mal traçados. Não rejeitava serviço e também não era careiro. O importante era ter o mínimo necessário para satisfazer algumas das suas necessidades básicas e principalmente poder dar uma beiçada no "refresco de Abaetetuba". Uma carga ou encomenda até que podiam demorar a chegar ao seu destino, mas chegavam. Quando algum freguês reclamava da morosidade, o Picolé dizia: "de vagar e sempre". O ponto de estacionamento do carrinho era na Doca da Fortaleza. Sua permanência a espera de freguês era em qualquer lugar onde se vendia a "água que passarinho não bebe", mas preferencialmente nas baiúcas de velhos conhecidos. Quando um consumidor da branquinha rejeitava a dose por considerá-la aquém da medida normal, o Picolé fazia a danada descer pela goela a baixo afirmando: "a casa agradece". Picolé era filho de uma família tradicional de Macapá e não era metido a valente, mas amável, cheio de dengos e salamambeques na voz, tal qual malando de algum morro carioca. Também era galanteador. Chamava as mulheres de "minha flor" e os homens de "meu cravo". O nome de batismo do Picolé poucas pessoas sabiam. Não era preciso usá-lo, pois bastava gritar Picolé que ele logo respondia: "fale meu patrão". Como ele era negro, o apelido completo era Picolé de Açaí. Uma coisa todo mundo sabia. O Picolé era o único empurrador de carrinho - de - mão que enfrentava o sol e a chuva com a mesma galhardia e sem derreter. Aliás, foi num inicio de noite com muita chuva que um raio o atingiu no leito da Rua Cândido Mendes, um pouco além da Rádio Difusora. O risonho e galanteador Picolé morreu carbonizado, deixando a cidade pesarosa com seu passamento. Ainda hoje estou convicto que a despeito de algumas mazelas cometidas, o Picolé deve estar acomodado em lugar tranqüilo, no canto do céu. Afinal de contas, seria desgraça demais se um outro destino lhe tenha sido dado.Quando sóbrio e concentrado, desenvolvia seu trabalho de alfaiate na Alfaiataria Atayde, o CHUNDA nem de longe parecia o sujeito ranheta que fazia discursos sem nexo e declamava poesias maliciosas sob o efeito da cachaça. Era uma espécie de Nezinho do Jegue, aquele personagem da novela "O Bem Amado" que adorava destratar o Prefeito de Sucupira. A diferença é que o Chunda não era carroceiro e sim alfaiate. Mamado, coçado ou meio pau meio tijolo, expressões que o povo usava para rotular alguém de bêbado, o Chunda lascava a pua no Getúlio Vargas, no Magalhães Barata e no Janary Nunes, respectivamente presidente da República, governado do Estado do Pará e governador do Território Federal do Amapá. Ele só não foi alfaiata da Guarda Territorial porque bebia demais. Melhor sorte teve seu companheiro da alfaiataria, o Formiga, que fez parte da alfaiataria da GT e se tornou funcionário público federal. Sem ingerir cachaça o Chunda era um mestre na costura, uma verdadeira agulha de ouro. O uso freqüente da maldita pinga provocou tremores em suas mãos e comprometeu sua reputação. Para não ficar na rua da amargura, Seu Atayde permitira que o Chunda fizesse as costuras de arremate e pregasse botões. Os discursos do Chunda eram pausados e longos. Às vezes ele esquecia do que dizia e ficava com o dede indicador da mão direita para o alto como se fosse uma estátua. Seu palanque era um cone de cimento por onde passava a rede de esgoto da Avenida Cora de Carvalho, situado antes da ponte de madeira que era o prolongamento da Rua São José e se estendia até a Avenida Antônio Coelho de Carvalho. No exercício de sua oratória inconseqüente o Chunda não admitia que alguém o interrompesse. Quando isso acontecia a mãe do sujeito inoportuno pagava o pato. Curioso é que muitas pessoas paravam para ouvi-lo e invariavelmente pediam para ele declamar uma poesia amalucada denominada Qual é? Qual é o sol que não alumia? Qual é o padre que não é decente?Qual é o pão de cada dia? Qual é o cristão que não é crente?Qual é a estrela que não brilha? Qual é o fogo que não é quente? Qual é a mãe que não é filha? Qual é o covarde que não mente?Qual é o gato que não mia? Qual é o c.. que não tem dente?O Coscorobil também tomava os seus goros, mas não perturbava ninguém. Ele dizia que tinha sido embarcadiço em vapor de carga e conhecia quase toda a Amazônia. Era um homem muito forte, uma espécie de Maciste ou Tarzan das nossas plagas. O apelido até hoje causa espécie, sendo desconhecido seu significado. A robustez do Coscorobil permitia que ele carregasse nas costas até pequenos guarda-roupas. Dificilmente ele usava carrinho de mão, preferindo exibir a força descomunal que possuía. Não importava que o destino da carga fosse o Trem, a Favela, o Laguinho ou mesmo o centro da cidade. Morava no Barraco dos Imigrantes, edificado na esquina da Avenida Cora de Carvalho com a Rua São José. Seu corpo era queimado pelo sol, sua barba mal cuidada era bem espessa e o cabelo parecia um amarfanhado. Num primeiro momento, qualquer criança que o visse ficava amedrontada. Depois, ciente de que o Coscorobil não fazia mal a ninguém, se acostumavam com ele. Coscorobil fascinava-se com o futebol que a molecada jogava no campo da ala da Praça Veiga Cabral, no espaço onde demora o Teatro das Bacabeiras. Lembro bem do Coscorobil ao ponto de comparar a sua ampla figura com o personagem "O Ébrio", criado pelo Vicente Celestino."O Coscorobil também tomava os seus goros, mas não perturbava ninguém. Ele dizia que tinha sido embarcadiço em vapor de carga e conhecia quase toda a Amazônia. Era um homem muito forte, uma espécie de Maciste ou Tarzan das nossas plagas. O apelido até hoje causa espécie, sendo desconhecido seu significado." Extraido da pag Diario do Amapá editorial Nilson Montoril